quinta-feira, agosto 09, 2007

Paprika II


"Dear Leonard, to look at life in the face, always to look at life in the face, and to know it for what it is" - Virginia Woolf

E, sobretudo, vivia intensamente. Às vezes mais, às vezes menos, mas a fronte alta e o cabelo magenta, com 10% de ciano, e as tatuagens provocantes na clavícula, que desciam para sabe-se onde, eram um conselho de como encarar a vida de frente. Sua imaginação alucinada via no tapete do banheiro uma porta que se abria para o inferno, e de lá vinham labaredas grandiosíssimas de um fogo vermelho muito bonito; via o coração da Terra, o centro do Inferno, o oposto do Céu. Às vezes apareciam demônios de que até Deus duvidaria. Conversava com o próprio reflexo no espelho, sentia medo dos azulejos da cozinha, temia a água até a morte, discutia com a louça suja. Berrava com a orquídea do quarto, cujo nome era Edileusa, putaquepariu, Edileusa, tá maluca?!, tá maluca?! Assim mesmo, com ponto de exclamação, tudo terminava em ponto de exclamação. Colocava música alta nos fones de ouvido e rolava pelo chão da sala, sofrendo dos amores nunca vividos; as lágrimas surgiam abundantes, escorriam pela face vermelha e queimavam os fones de ouvido.

Então houve o dia mais quente da História, era sua oportunidade para viver o mundo; saiu de camisola e pôs-se a correr, e toda aquela dor excruciante nos músculos, a face contorcia-se de dor, o tecido sedoso do vestido marcava-lhe o corpo profundamente nu, e ela abriu os braços; a beleza está nas ruas! Corria de olhos fechados, os braços muito abertos, doíam os dedos; desejava loucamente ser atropelada, inclusive a morte ela queria receber com a maior dor possível, porque até a morte era para ser intensamente vivida, e correu desvairada, foi ao encontro do céu, das nuvens, dos raios e trovões, enfim.

Os jornais do dia seguinte falariam de uma moça de aparência peculiar que desaparecera sem deixar rastros. Mentira: ela correra tanto e tão rápido, com as mãos tão espalmadas, que alçara vôo. Morrera como se devia morrer. Ao fim da vida, se não se tivesse ido antes, estaria satisfeita por cada momento aproveitado ao máximo, cada frase dita com vontade, com a maior das sinceridades, cada emoção vivida ao extremo, afinal qual seria o sentido de viver e não sentir, e não dizer eu-te-amo, e não abraçar forte, e não beijar com força, e não dormir sobre os livros, e não gargalhar das besteiras, etc etc? Bom mesmo era encarar a vida. De frente.

4 comentários:

Fernanda Passos disse...

Mergulhar na vida de peito aberto, disposta a correr todos os riscos e se deliciar com todas as suas maravilhas. Amar, sofrer, chorar, gritar, calar, querer os impossíveis amores não vividos e saciar a fome nos curtidos. Amar os certos e os errados. Perder-se. Achar-se. Enlouquecer. Vida........pra quem quer viver!
Lindíssimo texto.
Bj.

Unknown disse...

nossa, senti meus braços despregando do tóraz. Essas personalidades fortes são tão líricas, né?
é tão legal sentir um pouco assim.
;D

Anônimo disse...

que lindinho!

Unknown disse...

...eu adoro deixar que as pessoas tirem conclusões próprias. =D
Pode ser que seja, quem sabe?