sábado, junho 21, 2008

Samuela


Samuela era a menina mais erótika da turma. Erótika, com k mesmo. Falava com uma voz baixa e derretida, que não eram gemidos porque ela não era vulgar. Arranjava um penteado diferente para cada dia, por vezes coisas muito complicadas, com fios que se amarravam atrás e mechas suspensas no ar, que lhe deixavam com cara de lua; era muito criativa, mas ela sempre tomava o cuidado de deixar a franja ocultar-lhe um pedaço do rosto, o que a deixava ainda mais misteriosa, erotikamente misteriosa. A pele era normal, sem maquiagens. Tinha também um arsenal complexo de botas aveludadas que fariam inveja a qualquer moça de sua idade. Quando não usava saias acima do joelho, optava por saias muito acima do joelho, indecentemente acima do joelho. Não gostava de decotes: seu segredo mais desejável estava na parte baixa do corpo. Sentava-se sempre com as pernas cruzadas, atiçando a curiosidade dos meninos que a todo custo tentavam ver sua desirrê. Não tinha celulites, apesar dos refrigerantes e chocolates que ela sempre trazia para comer durante as aulas. Chicletes? Sim, claro, vários por dia. Seu maxilar irrequieto era a única coisa que quebrava o silêncio – e a atenção – dos outros alunos. Quando falava, os gestos eram moles também, suas mãos dançavam languidamente no ar, como as de um maestro com sono, e ao final de cada frase ela as repousava sobre a mesa, e os dedos caídos apontavam invariavelmente para os joelhos. Aí os meninos olhavam dos dedos para os joelhos, e dos joelhos para as pernas, e das pernas para a minissaia. Da saia, para algum recanto sombrio lá dentro. Samuela era um ciclo interminável.

terça-feira, junho 10, 2008

Odisséia porca


É, não tinha água no ICC e eu não conseguia lavar a mão de jeito nenhum. Eu já estava nojento de tanto tentar abrir aquelas torneiras grudentas, sem falar que havia mijo no chão em todos os banheiros e as privadas transbordavam bosta.

Moscas por todos os lados.

E como no Natural o almoço era aquela lasanha nojenta de abobrinha com soja, eu fui vasculhar o RU em busca de comida melhor e uma torneira que funcionasse. Foi um almoço solitário e desolador, como o sempre é por aquelas bandas, e, no final, dois pedaços contidos de melancia. Claro que depois eu me levantei, furei fila e peguei mais melancia. Melancia nunca é demais.

No final do dia, a água voltou e as privadas continuavam amarrotadas, e tinha um vômito no chão.

foto retirada do postsecret.

domingo, junho 08, 2008

Festa Junina

Caaaaaaaara! Ontem foi festa junina. Como eu amo festa junina! Mas aquela, velho, tava muito cheia, tinha gente saindo pelo ladrão. Então eu comprei 14 reais em fichas, o que é MUITO, porque com um tempurá já dá pra alimentar a família inteira, mas enfim. Então eu entrei na fila para comprar canjica. Não era uma fila, né, era um monte de gente amontoada e se esfregando, aquele bando de mulher querendo comer bolo de chocolate, ou bombom de sorvete (quem precisa de comida típica?). Aí chegou uma mulher muuuuito perua, hahahaha!, "peraí, Fulana, meus meninos querem pedir milho verde!". Os diabos dos meninos eram como dois lêmures azedos, muito loiros, agarrados à mãe como uma prole desmamada, os olhos verdes e remelentos saltando das órbitas à procura do alimento sagrado. A canjica chegou antes do milho que a perua pediu, e eu senti o perfume de amendoim com canela da vitória eufórica, mas aí eu, eufórico, derrubei tudo nos meninos da mulher.

Foi a última visão da minha vida em liberdade: os lêmures desmamados da perua derretendo com a canjica, toda aquela pele de porcelana desmanchando no chão, um choro mimado e estridente, o fim, o fim, o fim.

segunda-feira, junho 02, 2008

Papo de adulto

Rafael diz:
Sabe sentimento de derrota absoluta?

Fláudio! atarefado diz:
Seeeei, de que o mundo inteiro nos abandonou, aí o céu fica especialmente cinza, uma névoa seca recobre as ruas desertas, um tubo de feno aparece rolando ao fundo, como nos desenhos de velho oeste, e não existe nenhum ônibus vazio em que podemos nos sentir sujos e abandonados, porque os ônibus estão em greve.



Agora posso dizer que sei o significado de derrota absoluta.

crédito da foto: Louisville Joe