terça-feira, março 28, 2006

Cansei


Querem saber?, eu cansei. Cansei dos cabelos que caem, das alergias que me acometem, do dermatologista que nunca tem horário disponível, cansei do torcicolo que vai sumindo lentamente, para testar minha paciência; cansei das músicas, de ouvi-las e aprendê-las, cansei das andanças, cansei da internet, cansei do restaurante que me mata de raiva, cansei do sol e do calor, cansei das televisões e dos computadores, que separam as famílias, que separam a minha família, cansei de conversar com meus pais só para pedir dinheiro, cansei de dar despesa e de ser a despesa... cansei de mim.

Ah, gente, eu cansei...

sábado, março 18, 2006

À espera


Escola de música, eu, sentado, lendo, esperando a aula de percepção musical. Ao meu lado, a menina e seu violão - um violão muito maior que ela. Em breve, a menina estaria chorando. Chorando mesmo.

É que a única companhia da menina desde o término de sua aula até aquele momento era seu silencioso violão. Ela e o violão, durante mais de uma hora, esperando os pais que chegavam nunca. Enquanto ela bagunçava o rosto com lágrimas vermelhas de solidão, acabava também por me bagunçar; eu, que passara pela mesma situação tantas e tantas vezes.

E eu ali, segurando a vontade de chorar de dó, resgatando as piores cenas da minha infância, quando surge essa mulher rude no falar e benévola no agir, que enfim toma o passo decisivo rumo ao alívio da menina e pergunta se ela está - óbvio que estou, moça - esperando os pais.

Foram telefonemas e mais telefonemas. A mãe da menina sumiu, o pai também. Fui para a aula de percepção e a garota estava lá, ainda, na porta da escola, com os braços cruzados por cima do violão. Depois, ela sumiu.

Por um momento, o mundo era a menina esperando os pais.

quarta-feira, março 15, 2006

Terrores de infância


Disseram-me para sonhar com Harry Potter. Não sonhei com Harry Potter. Nem com lugares bonitos. Nem com quadras de esporte. Sonhei com os terrores da minha infância (eu sou da época em que o trem-fantasma do Nicolândia me assustava, e o Fantástico e o Globo Repórter ainda davam medo).
E tinha aquele tal de Plantão Globo também, que, graças a Deus, nunca mais apareceu. Ele interrompia seus programas preferidos com uma música macabra e uma apresentação que causava ataques epilépticos a quem estivesse até uns 200 metros de distância da televisão, e aí aparecia uma mulher-mortícia que anunciava a morte de alguém. Era como estar vendo algum daqueles horrorosos programas da Xuxa, e ser interrompido pela música cemiterial do Plantão Globo, e ficar sabendo que Xuxa estava morta.
É por isso que, hoje, eu não vejo mais TV. Trauma de infância.

sexta-feira, março 03, 2006


Aí você ouve música bem alto, até os tímpanos escorrerem, e alguém chega e lhe faz uma pergunta muda, porque só o que você vê são os lábios dela se mexendo; naturalmente, você não entende e grita "QUÊ?", mas sem querer, na verdade não era sua intenção gritar com a pobre da pessoa, e ela repete a pergunta, ou o comentário, enfim, e você ainda não entende, mas finge que compreendeu absolutamente, e diz que "nossa, é mesmo?"; a pessoa faz uma cara de O.o, ela está atordoada, coitada, porque você, elementar, não respondeu à pergunta dela, ela vai embora e você ri por dentro, triunfante, quase sádico.