quinta-feira, agosto 13, 2009

No paraíso de Borges

"Siempre imaginé que el paraíso sería algún tipo de biblioteca".
- Jorge Luís Borges


Sonhei que me correspondia com alguém pelos livros. Tudo começou quando retirei da biblioteca uma meia dúzia de livros, como sempre faço, e, numa deitada só, li trechos de pelo menos quatro deles. Como não há marcadores de páginas suficientes, peguei vários papéis que havia ali pelo quarto para marcar os livros e "salvar" a leitura, como fazemos com jogos de videogame muito longos, e um desses marcadores só poderiam ser antigas cartas de amor, bilhetes do colégio, pedaços de fotografias, e o resultado do meu exame mais recente de fezes. Alguns livros precisavam de mais de um marcador, porque são muitas referências, termos novos, nomes de autores e dúvidas que afloram a cada parágrafo - não custa nada ir e voltar, percorrendo o mesmo caminho sempre, mas sempre com novos olhares, com nos ensina Umberto Eco (ou não. rs).

Rigorosamente no último dia de empréstimo, porque não gosto de pagar multas, voltei à biblioteca para renovar os livros e tive que devolver um deles, solicitado por outra pessoa para reserva. Devolvi, relutante. Foram dias e dias para reencontrá-lo na biblioteca; voltava sempre às prateleiras e ele não estava lá. Semanas depois, procurando outros volumes, descobri que era só olhar um pouco mais para o lado e descobrir que o livro estava, afinal, por ali perto. Eles nunca são devolvidos exatamente ao seu lugar original, ou talvez sejam: a biblioteca é como um enorme monstro vivo cujos órgãos são os livros que se remexem para lá e para cá. Mesmo que se procure muito e nada se encontre, não há por que desistir. Os volumes sempre estão lá, mais para a esquerda.

Novamente em posse do livro que forçosamente devolvera, agora acompanhado de outros volumes, folheei-o como de costume. Da outra vez que fiz isso, em outro livro, encontrei um cartão postal todo rabiscado de hidrocor preta; os rabiscos às vezes formavam palavras em italiano ou espanhol. Desta vez reencontrei, não sem muito embaraço, o resultado do meu exame de fezes. Minhas cartas de amor, meus pedaços de fotografia e os bilhetinhos de colégio haviam sumido todos, talvez raptados pela pessoa que reservara o livro. Não há muito o que ser feito, pensei acordando. As bibliotecas são mesmo feitas de livros e os livros são mesmo feitos da gente.