sexta-feira, dezembro 19, 2008

O pronto que nunca é pronto


Os natalenses têm uma mania muito inata de dizer "pronto" quando querem confirmar uma afirmação, uma ação etc. Funciona no lugar do "ok", do "certo" e tudo o mais. Então, no apartamento, a arquiteta mede a gaveta que veio com um defeito de fabricação e promete, 6 meses depois, fazer uma gaveta com as medidas certas. "Pronto, pronto, tá tudo certo. Pronto". Na data prometida, a gaveta chega bem mais larga que o prometido.

Na lanchonete, a mulher pede um açaí com guaraná. Mas só com guaraná, sem granola, porque tem uma alergia forte a aveia. Ela até explica para a garçonete que pode ter um piripaque se ingerir granola. "Então é um açaí com guaraná somente?" "Isso". "Pronto, pronto". Logo depois, o açaí chega, com guaraná e repleto de granola por cima. A mulher tem um piripaque só de olhar.

Talvez o pronto seja tão automático que eles mal prestem atenção no que ouvem.

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Percursos do olhar (ou o cara da foto)

O site da faculdade era dinâmico e todo ilustrado, cheio de fotos de estudantes sorridentes e felizes por estudarem num lugar tão iluminado e alegre!!!; mas toda vez precisava pegar informações em uma seção específica e dava de cara com uma foto particular. A foto mostrava duas estudantes em primeiro plano, uma morena e outra loira, sorridentes-é-claro, e atrás um rapaz com cara de Suíça, cabelo loiro-escuro, olhos provavelmente acinzentados e um trecho fino de barba que ia do lábio inferior ao fim do queixo; essa barba exótica assim poderia ser uma referência aos antigos faraós egípcios, o que era excitante, mas de faraônico ou egípcio o rapaz não tinha nada, por causa da pele clara e traços obviamente europeus. O nariz um pouco largo, mas ainda delicado, era uma evidência de algum bisavô árabe, mas de árabe só aquilo mesmo, porque o rosto era todo harmonioso, fino, europeu, enfim, suíço. O rapaz sorria sem mostrar os dentes, e aquela timidez provocativa fazia o olho descer um pouco e encontrar o casaco cinza que ele usava, por cima de uma blusa branca, e era só o olho descer um pouco mais para encontrar um mamilo latente, mas bem pronunciado, ali mesmo sob o casaco. Era o tipo de mamilo que despertaria a imaginação de qualquer um. Infelizmente a foto terminava ali; o olho, ávido, poderia descer mais e apenas encontrar em negrito "Informações ao candidato". Aquele espaço resumia-se àquilo: estudantes-felizes, rapaz-suíço, mamilo, informaçõs ao candidato.

E era assim toda vez que visitava a página para pegar informações. Estudantes, rapaz, mamilo, e depois só rapaz e mamilo, rapaz e mamilo. No fim apaixonara-se por aquela foto, aquele suíço longe e inexistente, e alguns pensamentos sórdidos invadiram-lhe a cabeça, como o destino da outra mão do suíço. Porque a foto mostrava apenas uma mão. A outra talvez estivesse acariciando as costas de uma da estudantes, ou, pior, apertando a bunda dela. Não! O suíço era apenas seu, apenas seu, e a única bunda que apertaria seria a sua, sob lençóis brancos e perfumados...

Durante todas as férias rolava na cama pensando naquele rapaz inalcançável, imaginando coisas, não era estranho ter se apaixonado por uma foto? Não, era perfeitamente normal, acontecia toda hora. Mas no começo do semestre seguinte o site trocou a foto pela imagem sem vida de um prédio, e em sua imaginação flutuava apenas aquele mamilo sedento...

segunda-feira, dezembro 01, 2008

Diálogo no escuro

- Se bem que, depois de morrer, ele não ia se importar com os lugares onde eu colocaria a boca ou as mãos... esses ciumezinhos apegados são coisas tão terrenas.