quarta-feira, agosto 23, 2006

Janela de casa, borda do mundo

Gosto de lavar os tênis, apesar da dor nas costas. Depois eles ficam muito comportados ao sol e ao sabor do vento seco, à janela do meu apartamento, a borda do mundo, vendo todo o movimento, as crianças subindo pelos rodapés de seus quartos e gostando de ficar bem escondidas sob as saias das mães, os cachorros se divertindo às custas da burrice dos donos, os pássaros nascendo, e eles ficam quietinhos, embevecidos com o privilégio da paisagem, porque sempre viram tudo ao nível do chão, e ficam sujos de terra. A vida na rua os fascina, é um deleite assim, vista do alto.

La beauté est dans la rue.

terça-feira, agosto 01, 2006


"Anyway, my point is that it's really hard for people to live their lives alone" (Murakami, 2005).

Os contornos que distinguem você de mim vão em breve diluir-se em sentimento de leveza etérea, se eu disser o que acho de você, porque parei em você nesta corrida pelo complementar-me. O amor cresce como um câncer neste coração pesado e sangrento, esta ferida escancarada, obscena, em vias de putrefação, como aguardando a comunhão inevitável com a dor excruciante. É que embora diferentes, somos muito iguais, e disseram-me que amar no outro o reflexo de si mesmo é um erro condenável, egoísmo; meu umbigo não é o centro do mundo, antes fosse. Ainda assim, gosto de sentir os ecos de sua densidade silenciosa, como um perfume que sai voando pelo ar e me gruda no pescoço; do amor nasce a descoberta. Resta-me deitar, e deitar apenas, olhar para o céu que gira e chamar alguém de meu-amor, desmaiar de atordoamento quando me avisarem que não preciso de você para me sentir inteiro. Alguma coisa rasgou-me e costurou-me tão ao mesmo tempo que eu mal percebi. Minha vontade mesmo é de forma muito cândida arremessar você para o dentro devastado de mim, incorporar o que não é meu, para redefinir o que é; mais amor e menos sexo. Nesta ânsia de cheirar, sentir e mastigar as pessoas, para preencher em mim o que há de mais vago com o que nelas há de mais abundante, regurgito o que me disseram ser a minha vida, e vou atrás da sua, para você e eu vivermos juntos, por um momento breve e curativo.