sábado, janeiro 19, 2008

Catarse no táxi


Foi recebido por uma tempestade assustadora, um céu irreconhecivelmente cinza, não era possível que aquele céu fora azul um dia, depois veio um vento que trazia água para os cantos mais escondidos, e o menino se perguntou por que não havia ali um aluguel de casacos, moletons e afins. A blusa verde, suja e suada, posteriormente muito suada, tremulava ao gosto do vendaval como uma bandeira. Dentro do táxi, depois de um lanche desesperado, bateu o cansaço. Lá fora, o motorista encaixava a bagagem no porta-malas de uma maneira sofrida, atrapalhado por uma corcunda que lhe acentuava os ares de mordomo sinistro. Já a caminho de casa, o menino baixou a cabeça até quase virar um pombo e esquecer a dor misteriosa no ombro esquerdo. Durante o trajeto muito lento, que o taxista parecia percorrer de propósito, para irritar os passageiros, o som monocórdico dos limpadores de pára-brisa causaram-lhe os pensamentos mais improváveis, como o preconceito difundido pela Igreja em relação ao Espiritismo, a inépcia das pessoas em não repensar seus valores, a beleza lírica dos pingos arrebatados pelos limpadores, a delicadeza das ervilhas escondidas dentro das casquinhas, a textura apaixonante de brócolis bem feitos, o crescimento avassalador do trânsito na capital, e a cobertura verde que é tão benéfica porque não deixa toda essa água inundar a cidade, amém. Levou um susto ao se reconfortar pelo fato de, finalmente, estar em um território onde se entende de comida sem cadáver. Mas aí já era tarde demais, porque o taxista virou na curva errada e entrou numa rampa de garagem, até perder o controle do carro e bater com violência no portão. O carro foi violentamente amassado, os estilhaços voaram loucamente como uma chuva que vai pelo caminho contrário, rebelde, e, ainda morrendo, o menino continuou a ter pensamentos. Dizem que foi uma morte tranqüila, daquela que as pessoas mais almejam.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Katamaris em dezembro


AH!, o prelúdio dos dias veranis, e depois se descobre que o sentido da vida é a LUZ INCLINADA! A grama verdinha e brilhante, nunca pisada, convida a uns amassos sóbrios na frente dos lugares mais improváveis, na companhia dos turistas desavisados que se divertem com a incidência rasteira da luz solar, registrada na máquina fotográfica como um compêndio de bolhas de sabão. Neste caso, as sombras convergem tais como aliens na relva e vão parar lá no museu do índio (?). Tudo parece libertador e extraterrestre. O capim dialoga eloqüente com a ionosfera, e se parece com antenas parabólicas que pinicam a pele dos que vão desrespeitar as placas de "não pise esta grama linda". As ondas de rádio passam velozes pelo éter, e o capim recebe tudo, manda tudo para a terra, fecunda tudo, e o planeta vira informação, educação e entretenimento. Os cachorros descem para passear mais cedo, 7h30 e já uma luz maravilhosa, 19h30 e a mesma luz se repete. Antes que o sol se deite mais e tudo fique cinza-incômodo, por que não dobrar as pernas em 90º em relação ao corpo e fingir cair na estratosfera?