sexta-feira, setembro 25, 2009

Barulho de água

A lanchonete era velha, e havia ali muitos sinais que indicavam isso: a cerâmica anos 60, os copos americanos de vidro, as garrafas retornáveis, a televisão velha, os cabelos no ralo da pia e as manchas de gordura no teto acima dela, grandes manchas amareladas que iam grudando, grudando e já eram testemunhas vivas da história.

A lanchonete fazia-se ouvir bem de longe, e talvez aí encontravam-se os indícios mais óbvios do seu envelhecimento. Bastava ligar uma torneira ali dentro e um barulho de sucção vinha subindo pelos canos, chamando pela água; o ruído ia crescendo e crescendo, assomando como o suspiro, ou melhor, o grito, dos fantasmas das pessoas que já haviam pisado ali. Demorava até a água chegar, e, quando chegava, era com estremecimento e alarde. Fazia as paredes estremecerem, o chão, as estantes, os copos, os talheres, as pessoas, era uma loucura que obrigava a torneira ser desligada logo depois, só dava tempo de enxaguar um copo. E aí era preciso abrir a torneira de novo e ouvir os gritos de novo, e depois estremecer, fazendo a gente longe dali olhar para trás.

terça-feira, setembro 22, 2009

Voltar ao início

Essa coisa que vem crescendo no peito não é o que chamam de dúvida, é mais uma certeza acompanhada de uma pergunta sobre o que virá depois, mas é difícil termos certezas, o próprio mundo se encarrega de nos mostrar que elas são extremamente falíveis. De modo que é melhor dizer apenas que alguma coisa cresce, e assim voltamos ao início.

O que nos resta é a sensação de que não podemos pisar nada além da própria terra, que precisamos valorizar apenas isto que é o agora, e que inevitavelmente as coisas vão se desmanchando pelo ar como falecem as pessoas...

quarta-feira, setembro 02, 2009

O acaso existe

O que há de brilhante na obra deste homem é não só ter elaborado uma teoria sobre a mais fundamental e básica faculdade humana - o pensamento -, mas ter dado, a todos os que conhecem seus escritos, a oportunidade de encarar algo que poucos querem encarar: o acaso. O que Charles Peirce nos ensina em sua semiótica - a ciência geral dos signos - é que não podemos escapar do acaso; que ele, como signo, é bruto e físico, e responsável pelo começo de uma cadeia que é o próprio pensamento. Ele nos mostra que estamos sujeitos a todo tipo de eventualidade, e que ela nos leva a outros lugares.

Que não há conhecimento certo ou seguro, e que este deve ser analisado à luz dos fatos externos. Que é só tropeçando na eventualidade do real que experimentamos algo distinto de nossas expectativas. Que não podemos escapar à presença invariável da mudança. Que o homem, como signo, é um processo; não pode ter um sentido em si mesmo, isolado, pronto, se não estiver dirigido a outro signo; não se pode precisar seu começo ou seu fim, não pode estar "acabado", não pode ter uma história escrita nos Livros, no céu ou nas estrelas, não está destinado a ir a lugar algum. O que Peirce arremessa diante de nós é a dura verdade de que as coisas nos escapam, de que podemos ser extremamente falíveis. Ele nos põe diante da indeterminação, da incerteza, e do provisório.

Talvez por isso ele tenha sido tão incompreendido - e, também, impopular.