segunda-feira, abril 12, 2010

Os bons ares



Da primeira vez que vi Buenos Aires ao vivo ela estava mergulhada no comecinho de escuridão que faz depois das 18h. O sol se escondia lá atrás do Obelisco e a gente se apertava no carro, com a mala no colo, olhando pelas janelas os prédios antigos, novos, modernos, limpos, rachados, as pessoas brincando nas ruas, ocupando o espaço público de um jeito que em Brasília não há. Víamos os tetos, as antenas, as cúpulas, as abóbodas. Buenos Aires é cheia de cúpulas e tem um cheiro. Talvez seja do gás que eles usam para tudo: mover os carros, os trens, aquecer as casas. Buenos Aires tem trens, metrôs e ônibus, quiosques, elevadores antiquíssimos e manuais, e todos eles têm o mesmo cheiro de gás. Mas a sorte é que os ventos vêm lá do norte, do noroeste e do nordeste e se cruzam na capital Argentina e levam o cheiro embora. Levam também a tristeza e a amargura da vida diária. No fim fica o doce de leite na pele dos argentinos, um açúcar que vai subindo pela nunca e se embaraça naqueles mullets, no rosto europeu dessa gente simpática e grosseira que a gente vai vendo por que está tão perto e tão longe de nós.

O segredo dos argentinos está no alfajor que eles comem relaxadamente nas ruas, cruzando uma faixa, nos lenços que eles ajeitam meticulosamente no pescoço e na Mafalda que eles têm lá em San Telmo. Eles podem sentar ao lado dela quando quiserem e reclamarem em ll chiado o quanto a inflação está irrefreável e quanto a Cristina Kirchner é embotocada. A Mafalda escuta tudo e continua sorrindo.

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