Mas nada justifica o estado lamentável daquele ser humano em prantos. Virei-me para buscar a carteira e pegar ali um dinheiro, enquanto ao meu lado, fora do carro, o menino chorava e aquela dor me reverberava nas orelhas. Dei-lhe 5 reais, sabendo que não são 5 reais que resolvem uma agonia. Durante aqueles minutos em que procurei o dinheiro, poderia ter morrido, sofrido um assalto, um sequestro, um tiro na cabeça, um furto no carro. No final, ele agradeceu, continuando a chorar.
O que me leva a crer que seu desespero era real, e não mero teatro. Mesmo que fosse, ainda assim era uma criança em sofrimento, uma criança que não despertou a revolta de ninguém, uma criança que não estava alimentada, não estava limpa, não estava saudável, não estava brincando. Também nenhuma mão se ergueu para ajudá-la, para abraçá-la, para oferecer-lhe um conforto, nenhuma mente se questionou daquilo que viu e que não viu (afinal, já nos ensina a semiótica que o mundo que vemos diante de nós nos ajuda a pensar sobre o mundo que não estamos vendo).
Somos um país majoritariamente católico, talvez não sempre praticante, mas com certeza crente em Deus. Gostamos de ir à missa, rezar e celebrar o corpo de Cristo. Quase sempre tememos abrir nossas janelas, por medo de roubarem nosso dinheiro tão valioso, e sequer nos incomodamos, porque não aprendemos questionar o mundo que estamos construindo. O corpo de Cristo está bem guardado em nossas capelas douradas, e ao que parece deve valer muito mais que o corpo do homem, em frangalhos sob qualquer semáforo e para o qual não se rezam missas. Como diz Saramago, "assim vai o mundo e não haverá outro".

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