terça-feira, julho 22, 2008

O Grito


Acordou cedo aquele dia e examinou o rosto fundo e embaçado no espelho; sua miopia devia ter saltado uns 5 graus, mal enxergava. De repente soube divisar algo parecido com uma porta na superfície daquele vidro que sempre o andara observando. Sim, uma porta escura cuja profundidade sinistra prolongava-se para o além. Pensou se deveria continuar olhando aquele filme que lhe projetavam por ali. Sim, por que não?, um filme é totalmente seguro e o espectador sabe que nada vai acontecer com ele, porque é só uma representação. Ademais já tinha 20 anos, em breve seriam 22, depois 25, e ele seria um adulto, e viajar na maionese, nunca mais; sete, quatorze, vinte e um. Tinha um gosto estranho na boca que sem dúvida era da sopa do dia anterior, mas não saberia precisar se era do sal, do alho, da pimenta ou do gengibre. A porta agora mostrava um universo paralelo, um país das maravilhas, talvez?... O gengibre era como mandrágora e a pimenta era docinha, docinha. Olhando-se naquele espelho, naquele banheiro frio, sentia-se duro e solitário tanto quanto vai se sentir a última barata na Terra, depois da Terceira Guerra Mundial. Não mais quis hesitar, montou na pia belíssima de granito rosado e atravessou, como as personagens clássicas, que, nas histórias clássicas, simplesmente atravessam.

dica da semana:
o novo CD da Carla Bruni é legalzinho, mas começo a escutar e lembro que as músicas podem ter sido inspiradas no Sarcozy, e de repente fica tão nojento.

2 comentários:

I.P. Araújo disse...

ah, deus. ainda estou esperando por uma porta dessas no espelho do meu banheiro.
Poxa, pegou pesado. Sarcozy destrói qualquer clima.

Unknown disse...

Esse aí sou eu, só pode!
E eu nunca penso no Sarcozy.