domingo, fevereiro 03, 2008

...seria uma abelha?

No andar de baixo, a empregada martelava a carne com tanta força que logo ficaria musculosa. Já era o prelúdio do que seria o almoço, e eram 3h da manhã. No andar de cima, um fiapo de cabelo no chão do banheiro parecia o esboço de um cavalo-marinho, ou o que seria o começo de sua espinha dorsal, se alguém estivesse desenhando. Mas naquele andar os três adolescentes foram perturbados por um zumbido profundo que crescia esporadicamente e minguava logo após, como o de uma abelha gigante e monstruosa que os viera rondar assustadoramente. As árvores que enfeitavam a cobertura farfalhavam loucamente, quase esquecidas por causa de uma névoa muito densa que descera sobre a cidade. Além disso ventava, e as cortinas dançavam com ousadia escandalosa. O zumbido esquisito, mais as árvores, a névoa, o vento e as cortinas compunham cenas sórdidas entre as quais os adolescentes tiveram de se virar. As horas passaram e muitas conversas vieram, entre as quais alguma coisa sobre mães protetoras, o desaparecimento da timidez emparelhada com a auto-aceitação, e Paprika. Mas o barulhinho atazanante permanecia incólume. Alguém lembrou, para si mesmo, um comentário longínquo sobre zumbidos de ETs e cabeças que explodiam. Eles foram obrigados a enfrentar seus medos, como naquelas fitas de meditação que recomendam "pense num lindo jardim primaveril. deixe seus medos...". Munidos de almofadas, desceram as escadas e suprimiram diversos gritos silenciosos, que explodiam na garganta e morriam na boca como um engasgo, porque a cidade inteira dormia e acordá-la com um grito medroso seria um erro. De modo que desembocaram na sala vibrando de emoção, os corpos contorcidos por dentro, todos aqueles berros contidos... acenderam as luzes e não viram nada. As coisas estavam em seus devidos lugares; tudo parecia respirar placidamente. Eles poderiam descansar tranqüilos.

No entanto a memória do zumbido permanecia viva em suas orelhas.

4 comentários:

Unknown disse...

pode ser não uma, mas milhões de abelhas ancestrais (só pq eu ainda estou com on the radio na cabeça).

Cabeças explodem em end of eva.

(Eu JÁ sou esquizofrênico, sabe?)

Anônimo disse...

Gostei muito, muito, muito. Você e o Rafael deveriam escrever juntos. Sairiam textos muito bons.

Beijos.

Unknown disse...

Vc apagou o post da freira? Mas, nhó, era tão bom... oO'

Flávio A disse...

o post da freira rendeu-me um atrito familiar incomensurável.