
Cappuccino gelado dava-lhe gases de todo modo, mas ela continuava tomando mesmo assim, dane-se; embora não entendesse aquele hábito bizarro que a humanidade adquirira de beber leite dos outros (deixava o estômago todo pesado e moribundo, como era possível?), continuava não resistindo ao sabor mágico de um bom cappuccino cremoso, numa xícara assim num lugar assado; beber era um processo extra-estomacal, passava também pela percepção visual dos momentos.
A moça da cafeteria, que ficava no caixa, porque a outra que servia os clientes era horrorosa, andava rebolando as cadeiras e tinha o cabelo sempre preso pela mesma presilha de plástico. Ela poderia ser muito bonita, mas não era. Talvez se mudasse o penteado... enfim. Aquela era sua vida agora, precisava acostumar-se. Não tinha casa, nem família, estava expulsa de casa, excomungada, ex-virgem, ex-everything, teve vontade de esmurrar a garçonete, não havia chocolate suficiente no cappuccino, enfim. O telefone tocou e ela atendeu.
Alô? Sei. É, é... Sério, quando? Fala mais alto, não estou ouvindo. Aham... é, tô aqui, né... fazer o quê? É, eles viram. Ah, não sei, não quero pensar nisso agora. Não, não quero conversar. Não, Camila, não, por favor. Pelo amor de Deus. Não, escuta. Não. Sim. Eu não quero que você venha pra cá! Quero ficar só. Desculpa. Aham... tá. Tá, venha. Vou esperar lá fora.
A garçonete veio atrás, enquanto ela saía da loja, para dizer que não pagara a conta, mas ela dirigiu-se à garçonete munindo-se de gestos obscenos* e saiu do mesmo jeito. Lá fora, defronte das placas das lojas, que brilhavam em neon, viu que a da cafeteria era realmente bonita. Aí, teve uma idéia.
Teve uma idéia e correu para a vida nova que a aguardava. Camila que pagasse a conta.**
*certo, "dando dedo" seria mais fácil.
**final horrível, galera, foi mal.