sexta-feira, junho 12, 2009

Corpo de Cristo

Hoje uma criança, um garoto, chorava pedindo esmola no semáforo. Chorava alto, percorrendo a fileira de carros e gritando "me ajuda, me ajuda", com a mão levantada e muitas lágrimas no rosto sujo. Poderia estar ali por muitos motivos. Poderia ser fome, uma fome severa (dizem que fome, fome de verdade, faz doer o estômago). Poderia ter sofrido um trauma, um espancamento, um estupro, uma dor terrível, um abandono. Poderia estar chorando de humilhação. Poderia estar ali por ordem dos pais, chorando de vergonha, ou chorando de fingimento, porque lhe ordenaram.

Mas nada justifica o estado lamentável daquele ser humano em prantos. Virei-me para buscar a carteira e pegar ali um dinheiro, enquanto ao meu lado, fora do carro, o menino chorava e aquela dor me reverberava nas orelhas. Dei-lhe 5 reais, sabendo que não são 5 reais que resolvem uma agonia. Durante aqueles minutos em que procurei o dinheiro, poderia ter morrido, sofrido um assalto, um sequestro, um tiro na cabeça, um furto no carro. No final, ele agradeceu, continuando a chorar.

O que me leva a crer que seu desespero era real, e não mero teatro. Mesmo que fosse, ainda assim era uma criança em sofrimento, uma criança que não despertou a revolta de ninguém, uma criança que não estava alimentada, não estava limpa, não estava saudável, não estava brincando. Também nenhuma mão se ergueu para ajudá-la, para abraçá-la, para oferecer-lhe um conforto, nenhuma mente se questionou daquilo que viu e que não viu (afinal, já nos ensina a semiótica que o mundo que vemos diante de nós nos ajuda a pensar sobre o mundo que não estamos vendo).

Somos um país majoritariamente católico, talvez não sempre praticante, mas com certeza crente em Deus. Gostamos de ir à missa, rezar e celebrar o corpo de Cristo. Quase sempre tememos abrir nossas janelas, por medo de roubarem nosso dinheiro tão valioso, e sequer nos incomodamos, porque não aprendemos questionar o mundo que estamos construindo. O corpo de Cristo está bem guardado em nossas capelas douradas, e ao que parece deve valer muito mais que o corpo do homem, em frangalhos sob qualquer semáforo e para o qual não se rezam missas. Como diz Saramago, "assim vai o mundo e não haverá outro".

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